terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Contos Fantásticos


                          Em Algum Lugar Do Planeta Dos Macacos

                                                    Ademário Ferreira



                 Os robôs são máquinas que ainda preservam a voz humana. De tanto deixarem de lado o costume da conversa, as pessoas atrofiaram a língua. Aqueles poucos humanos que tem o dom da palavra vivem recônditos, rodeados por discípulos que procuram estar sempre atentos a qualquer palavra. Em alguma caverna, em algum ponto do planeta, vive Homero, arqueólogo que resolveu morar ali há vários anos, desde quando descobriu naquele local, grande achado arqueológico, uma imensa biblioteca com os livros daqueles escritores considerados entre os maiores pensadores de todos os tempos. Eram poucos os humanos com recursos para ter constante acesso às redes de computadores, para  humanos pouco desenvolvimento tecnológico.
         Homero quer o saber. Inventa, estuda com os velhos papéis de antigamente, os papiros, uma enciclopédia universal com inúmeras obras, pensadores de todos os países em cada época, o que pôde ser registrado, conservado através de um produto gasoso, permeado com spray. Depois da guerra bacteriológica, quando houve a desintegração de todo material de papel, tudo que era feito do papiro viraria pó. A guerra do papel havia sido a última grande guerra, de lá para cá, os macacos procuraram manter a calma no planeta. Não existem muitos recursos naturais para desenvolver grandes projetos, poucos são os macacos possuidores exclusivos de certos aparelhos como computadores, televisores, mas entre eles há uma espécie de sociedade, é uma convenção que permite a todos o acesso aos aparelhos, através de locações, permutas ou centros culturais.
          A segregação aos humanoides é ponto crucial. Desde a guerra do papel, os problemas com os homens eram assuntos vagos. Aquelas tristes pessoas reclusas em guetos tinham perdido todas as chances que os tornassem esperançosos de um futuro melhor. Grande parte do planeta está impróprio para a plantação, é tanta incredulidade e alienação que inexistem desejos de felicidade ou de qualquer coisa. A devastação não foi somente dos papéis, algo foi devastado na memória daquela gente.       
          Assim, poucos macacos sabiam o que outros não imaginavam, que existem homens com a  inteligência de Homero e outros que seguem-no, ouvindo, aprendendo a falar e contar histórias, cálculos misteriosos sobre a existência da vida. Humanoides não podem pensar, nem falar, nem reunirem-se em praça pública, nem realizar conjuração, insurreições, não podem ser capazes de arquitetar tais ações. São palavras de ordem entre os macacos que vivem em torno da exploração do trabalho escravo e procuram a todo custo manter o poder a seu favor, afim de sempre viver com suas mordomias.
          Em algum momento, o conselho superior dos macacos descobriu a existência de Homero  e mandou verificar sua origem. Seus pais haviam sido dados como mortos quando há cinquenta anos conseguiram escapar de um centro de pesquisas com seres humanos. Houve um projeto que consistia em dar aos homens acesso às letras, à pintura, ou eram treinados para serem servos. O casal conseguiu escapar com a ajuda de um macaco cientista que se afeiçoara aos humanos. Jamais foram encontrados, nem notícia nunca se teve, tudo indicava que tinham ido para regiões íngremes e selvagens. A mulher estava grávida. Resolveram fugir, pois perceberam o interesse exclusivamente científico em torno deles, eram cobaias, logo seriam descartados. Quando descobriram, através do arquivo morto do instituto de pesquisas, que antes da guerra do papel em determinado lugar haviam construído um abrigo anti-bacteriológico onde encontrava-se protegido e intacto, um acervo no qual estavam contidas as mais diversas obras de arte, inclusive uma biblioteca com assuntos de todos os interesses, a origem de tudo, fugiram.
          Durante a guerra, o papel foi destruído como símbolo do apagar das luzes da memória, deixando inerte e escura a mente humana, tornava-se enorme o custo para fabricação de qualquer aparelho elétrico, os macacos detinham o controle político. O papel ressurge e, de forma impressa, traz de volta a luz para muitas pessoas. Os pais de Homero morreram, deixando o tesouro para seu filho e para a humanidade.    



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A Nave

                         Ademário Ferreira

        Em uma era distante, em outro planeta diferente uma tragédia estava prestes a acontecer. Uma nave inimiga atacou tal planeta indefeso. Diante da gigantesca aeronave, os habitantes daquele mundo estavam aterrorizados, quase ninguém entendia a situação.
       De dentro da nave, uma mensagem foi transmitida informando que o planeta inteiro seria destruído, porém antes da destruição algumas pessoas seriam salvas e fariam parte de sua tripulação.
      De fato, algumas pessoas foram salvas, levadas a um compartimento semelhante a uma imensa sala, com cadeiras, igual um cinema. Seriam apresentadas ao comandante que iria ser visto na tela como numa película.
      Surge, então, o rosto do comandante, pronunciando para toda a plateia atenta, as seguintes palavras: Eu sou Deus.


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Albert X E As Estranhas Aventuras Em Sua Mente
                           Ademário Ferreira
           Minhas histórias surgem nas noites mais escuras, pelas estradas sertanejas, com a lua encoberta por nuvens pretas. O vento é refrigério combinando com o calor, tornando agradável a caminhada. Albert X pensava.
       De fato, a noite está fria, mas o corpo em movimento se mantém aquecido. As paisagens noturnas, os galhos de árvore, as casas, o branquidão da estrada que segue, pássaros negros na escuridão, pessoas que disseram quase simultaneamente: boa noite!
          Chega em casa. Sentiu-se em casa. Iria passar pouco tempo naquele lugar,  no meio da caatinga, viera de uma grande cidade, estava ali pela primeira vez, à procura de casos para contar. A casa de quatro cômodos ao centro do terreno, o quintal na frente, a uns vinte metros a cerca na beira do caminho. Bem em frente, do outro lado da estrada, uma sepultura de um antigo morador. Albert X encontra um vaqueiro da região e relembra um acontecimento da noite anterior, quando à hora do crepúsculo tangia o jegue cangalhado com os baldes vazios balançando, para buscar água.
          Quando havia escurecido, Albert aproveitou para banhar-se no rio, represado naquele trecho. Naquele instante percebeu algo luminoso viajar no céu, fazendo com que a noite de repente parecesse dia por três segundos. Em tão pouco espaço de tempo, deu para ver tanta coisa impossível de se ver no escuro. O verde das plantas, a pintura das construções, as linhas demarcando o campo de bola. Quem estava ali naquele momento, viu. Como uma pedra de fogo ou brasa de algum cometa em chamas.
        Diversas foram as opiniões dos moradores daquela localidade. Estrela cadente, calda de cometa, ouro mudando de serra que caiu no mar. Naquela noite e em tantas outras se falou sobre aquele acontecimento. Era o fogo do céu deixando cair suas faíscas na terra. Albert X não morava mais na metrópole, incrível foi aquela mudança, surpreendente como a claridade causada pelo repentino brilho. Será que na avenida Paulista, com as luzes da cidade, perceberia tal fenômeno se lá ocorresse.
      Em seu segundo dia na região, presenciou algo digno de ser contado por todo a vida. O cara é vidrado nessas ideias de objetos voadores não-identificados, cometas, mapa astral e, no começo de sua estadia aconteceu aquilo. Privilégio que a natureza lhe concedeu.
      Em uma das casas da redondeza, um sanfoneiro toca, violeiros no terreiro. Da janela, X fica a mirar as estrelas, ao longe um lar iluminado pela luz de um lampião. O sanfoneiro toca. Apesar da relativa distância, dava para ouvir o que vinha de outras moradias. Som de panelas, machado cortando lenha, conversa na varanda. Viva a noite do sertão! Durante as festas juninas, todos juntavam-se ao redor de fogueiras, fumavam, assavam batatas, reuniam-se com o sanfoneiro que também iluminava e enfeitava seu terreiro. Triângulo, zabumba e pandeiro para o arrasta-pé. 
            A  obscuridade é como a ignorância, a mente é uma caverna em parte iluminada e a escuridão é a ignorância. Albert X relembra Platão. Agora está em tal silêncio que dar para ouvir o som da gota pingando da torneira do filtro, um grilo chega estatalar de tanto cantar, sente-se em plena harmonia com o universo. O cometa passou rasgando o céu em sua mente, deixando clarões onde era escuro, o grande brilho e o homem que aproveita o momento de lucidez.




  
 

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A Vitória da Conquista

Chegaram os colonizadores
afugentando os filhos da terra,
penetraram pelo sertão,
vieram para fazer guerra.

Na trilha das preciosas pedras,
a mando do rei de Portugal,
quando haviam conquistado
todas as terras do litoral.

Restava ainda o gentio
que deveria ser afugentado
de todo sertão da ressaca.
do rio das Contas ao rio Pardo.

Assim determinou aos desbravadores
o sexto rei que se chamava João:
que fossem suas todas as terras
conquistadas a soldo de braço e facão.

João Gonçalves da Costa chega
e funda a igreja de Nossa Senhora,
surge, então,  a vila ao seu redor.
Nossa Senhora das Vitórias!

Em pleno século dezoito
essa história aconteceu,
a partir do Planalto da Conquista
a matança de onças e índios ocorreu.

Mais terras conquistaram,
fundaram novas vilas
que entre seus familiares
iam sendo distribuídas.

Conta-se que o conquistador
nessa sua empreitada,
matou mais de cem onças,
enquanto a mata era desmatada.

Certa vez foram convidados
vários aborígenes da região,
pensando os inocentes seria
para uma confraternização,

após serem embebedados,
sabe o que o colonizador fez?
Roubou-lhes as armas, mandou
matar todos de uma vez.

Em todo o sertão da ressaca
existiam mais dois mil,
Mongoiós, Aimorés, Botocudos,
gente que das praias fugiu,

tentando escapar da violência sofrida
por seus descendentes do litoral,
desde o século dezesseis, 
desde os tempos de Cabral.

Em sua própria terra
sentiram-se acuados,
cercados pelos inimigos 
por todos os lados.

Hoje estou a caminhar
pela antiga praça da Bandeira,
penso no antigo bandeirante
que usou de cruel maneira.

Em honra aos inocentes mortos,
descendentes da nação Guarani,
legítimos filhos dessa terra,
moradores da serra do Periperi,

escrevo esses versos, falando
sobre esse caso que sucedeu,
dizendo sinceramente a quem ler,
como foi que a conquista venceu.